terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Escravidão assinada.



É hoje, amigo. É hoje o dia de entornar todas, esperar o peito explodir e pedir alforria.
Pois que tragam cerveja, conhaque, e umas cachaças se puderem. Hoje a conversa é franca e a prosa é direta: sofrer. 
Essa prolixidade toda, esse enfeite que a gente arruma no poema, e esse poema que a gente arruma de enfeite, de nada vale. Arrisco dizer que até o “sofrer” é poético demais pra sair da boca de quem já perdeu as contas de quantos cigarros já tragou sem boemia alguma, sem café pra acompanhar, sem jeito elegante de movimentar os lábios na esperança de uma sutil observação feminina… No fim das contas, a gente descobre que a vida vagabunda tem sido mais útil do que essa de escritor. Me deixe – assim, do jeito que se fala, sem ênclise – explicar os meus motivos pra começar a ser largado e deixar de ser sendo.

Nascemos, crescemos (ou não), poetamos, amamos, sofremos, enlouquecemos, definhamos e morremos: essa é a vida do poeta.
Repare que tudo começa a desgraçar quando a poesia entra pelas frestas da sua vida. A infeliz chega de mansinho, te arranca uma lágrima de satisfação, um sorriso de ternura… Vem se arrumando quietinha no teu peito, se aconchegando, te abraçando, logo te beija e daí pra frente começa um verdadeiro estupro: você é propriedade dela.
É, exatamente isso… A danada te deixa possuído, ao passo que antes, quando você lia, derramava uma ou duas lágrimas de emoção, e hoje em dia ela te arrebenta o peito, te faz arfar, sofrer, morrer dez vezes em uma estrofe de poema. Antes, se sentava à mesa com tempo e dedicação para escrever algo por vaidade, hoje em dia ela te acorda no meio da noite, com socos e pontapés, te incomodando até você meter a mão no papel da consulta da semana que vem e rabiscar o que ela te manda – e ai de você se não se atentar a ela. Isso quando ela não inventa de gritar no meio da rua, na praça, na estação, na padaria… Não tem o mínimo senso; não para pra pensar se a hora é apropriada porque, pra ela, todas as horas são apropriadas, não importando como você esteja. Ela não te dá possibilidades de escolha nem tampouco espera: dito e feito.
Antes era uma coisa ou outra. Você admirava a beleza e execrava a falta dela. Agora, não há coisa mais bonita do que os dentinhos separados da Brigitte Bardot e o sotaque caipira do homem que fala “ocê”. Antes, você queria ser advogado, juiz, promotor… Hoje em dia o seu sonho é trabalhar em uma floricultura, em um café, dar aulas de História ou se meter em Literatura. Antes, você terminava um livro e sentia uma sensação de dever cumprido, hoje você fecha a página aos prantos pensando ter morrido amigos de infância que você conheceu em algumas páginas atrás. Antes os seus antes eram frutos do caminho que você traçava e esperava chegar, hoje… Hoje o caminho onde você se mete a caminhar é das pedrinhas das reticências.
A verdade, amigo, é que colocando o ponto final no teu primeiro poema você assina o seu contrato de escravatura eterna. Descobre que durante sua vida você vai amar ou odiar, ou fazer os dois ao mesmo tempo, afinal, razão e sentido é algo que só os soldados farão, como disse um dos seus que já se encontra luarizado.
Calaram-se as ordens, cessaram-se os chicotes: o escravo tem liberdade de pôr o ponto final.


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